Maria na Ordem

É muito comum, em nosso dia-a-dia, nos referirmos a alguém a partir de sua família, dizendo, por exemplo: “aquele… filho fulana” ou “os pais de ciclano”. Os laços familiares revelam algo de nossa identidade. Mas, quando olhamos o texto de Mc 3, 31-35, Jesus parece negar tais laços. Ele estava do lado de dentro da casa. Maria e os demais parentes estavam do lado de fora. Quando, do meio da multidão, o informam sobre a presença de seus familiares, Jesus olha em torno de si e afirma que sua mãe e seus irmãos são aqueles que fazem a vontade de Deus. Para ele, “esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe”. Podemos dizer que há aqui uma rejeição de Jesus à sua família? Certamente não! Pelo contrário, Jesus supera os laços de dependência em relação à família e à sua tradição para propor uma pertença a uma nova família: a família dos seguidores de seu ensinamento, a família daqueles que fazem a vontade do Pai. Jesus relativiza a família sanguínea e propõe novas formas de relacionamento fraterno. Nesse itinerário, Maria mesma é a primeira discípula.

“Maria, sendo também a Mãe do Senhor, torna-se a discípula perfeita dele, a mulher de fé. Segue Jesus, caminhando juntamente com os discípulos, e com eles compartilha o penoso e comprometedor caminho que exige acima de tudo o amor fraterno e o serviço mútuo. Nas bodas de Caná ensina-nos a acreditar em seu Filho; aos pés da Cruz, torna-se a Mãe de todos os crentes e com ele experimenta a alegria da ressurreição. Une-se com os outros discípulos, em ‘oração contínua’, recebe as primícias do Espírito, que enche a primeira comunidade cristã de zelo apostólico. […] Na Virgem, Mãe de Deus e modelo da Igreja, os carmelitas encontram tudo aquilo que desejam e esperam ser” (Constituições 27).

O primeiro ícone que os carmelitas colocaram na sua capela do Monte Carmelo, no século XIII, estampava a imagem chamada La Bruna, que quer dizer “Nossa Morena”. Podemos considerá-la como a mais antiga de todas as imagens de Nossa Senhora do Carmo. É bonito observar como o menino Jesus encosta seu rosto na sua mãe. Agarrado nela, ele olha para nós. O olhar de ternura dele nos convida a ter uma profunda intimidade com ela também. Maria, por sua vez, nos oferece o menino. Trata-se de um convite para termos com ele e com ela uma mesma intimidade de filhos e filhas, de irmãos e irmãs.

Segundo o Documento de Aparecida (DA), Maria “viveu completamente toda a peregrinação da fé como mãe de Cristo e depois dos discípulos, sem estar livre da incompreensão e da busca constante do projeto do Pai” (DA 266). Mas ela, também, “é grande missionária, continuadora da missão de seu Filho e formadora de missionários” (DA 269). Por isso, “hoje, quando em nosso Continente latino-americano e caribenho se quer enfatizar o discipulado e a missão, é ela quem brilha diante de nossos olhos como imagem acabada e fidelíssima do seguimento de Cristo” (DA 270).  Com isso, nos colocamos ao lado daquela é que é nossa irmã para assumir cada dia mais o projeto de Cristo em nossa vida.

 

Elias na Ordem

Nós, carmelitas, diferentemente de outros grupos, como os franciscanos ou dominicanos, não temos alguém para dizermos que ele seja nosso fundador. Contudo, nossos primeiros irmãos e irmãs escolheram Elias para chamarem de Pai inspirador. Foram ao Monte Carmelo em busca de fontes de água e locais pelos quais o profeta teria passado ou vivido. Tais carmelitas, a exemplo de Elias, se colocaram a caminho. Seu caminho é substancialmente marcado pelo contato com a Palavra de Deus. Elias ensina e convida o carmelita a ser homem da Palavra, seja porque ele mesmo sempre esteve atento a ela, seja porque para sabermos algo sobre sua figura precisamos recorrer aos textos bíblicos, particularmente os livros de Reis.

Segundo frei Carlos Mesters, “na Bíblia, a intervenção constante de Deus obriga o profeta Elias a sair do lugar onde se encontra para o lugar onde Deus o quer: ‘Vai-te daqui!’ […]. A Tradição Eliana da Ordem retomou esta ideia do caminho e começou a insistir no itinerário místico ou espiritual, realizado pelo profeta. Ela apresenta Elias como modelo do caminho que o carmelita deve percorrer para realizar o ideal do Evangelho tal como este está expresso na Regra.  […]. Ele já não se pertence. Sua vida tornou-se uma despedida contínua. Um peregrinar constante em busca do que Deus queria dele. Elias viveu em estado permanente de êxodo! No fim, ele é arrebatado (2 Rs 2,11). Como tal, ele já era conhecido pelo povo: alguém totalmente disponível que, a cada momento podia ser levado pelo Espírito para realizar a obra de Deus (1Rs 18,12).”

Nesse sentido, nos alerta o Papa Francisco, assim como fez com o Profeta Elias, o Senhor quer dar-nos uma missão, quer dar-nos um trabalho. Tão importante quanto ter encontrado o Senhor, é o caminho, trilhado para chegar à missão confiada a ele. Aqui se encontra a diferença de uma missão assumida em nome de Cristo e qualquer outra atividade realizada pelo ser humano. A missão dada pelo Senhor sempre traz consigo um processo de purificação, discernimento, obediência e oração.

Por isso, segundo as Constituições da Ordem do Carmo, “Elias é o profeta solitário que cultiva a sede do Deus único e vive na sua presença. Ele é o contemplativo possuído (raptado) pela paixão ardente pelo absoluto de Deus, cuja ‘palavra ardia como fogo’ (Eclo 48,1).  É o místico que, depois de um longo e penoso caminho aprende e lê os novos sinais da presença de Deus. É o profeta que se envolve na vida do povo e, lutando contra os falsos ídolos, o reconduz à felicidade da Aliança com o único Deus (1 Rs 18,20-46). É o profeta solidário com os pobres e os marginalizados e que defende aqueles que sofrem violência e injustiça (1 Rs 17,7-24; 21, 17-29).”

Assim, “o carmelita aprende, pois, com Elias a ser homem do deserto, de coração indiviso, que está todo diante de Deus, todo entregue ao serviço de Deus, o homem que fez uma escolha sem compromissos pela causa de Deus e por Deus arde de paixão. Como Elias, crê em Deus, deixa-se conduzir pelo Espírito e interioriza a Palavra no próprio coração, para testemunhar a presença divina no mundo, aceitando que ele seja realmente Deus na sua vida. E enfim, vê em Elias, unido ao seu grupo profético, a fraternidade vivida em comunidade, e com ele aprende a ser canal da ternura de Deus para com os indigentes e os humildes”.  É em Deus que Elias se torna forte, vencendo os ídolos que querem sufocar a mensagem de libertação e vida plena para ser humano. Elias nos convida, portanto, a sermos verdadeiros profetas do Reino!